A quem confiar minha
tristeza?
(A.
Tchekhov,
Contos)
I
espreita meu olhar
o chá de maçã
as bordas da
memória abrem as dobras
exala
erva-cidreira e de aromas borda
meus olhos
ancorados na hora anciã
da liquidez emerge
Rô e o odor
aporta em ervaçal
cidreiro e maçã;
Rô, por que vem
assim na bebida anciã
com teus silêncios
outra vez me aborda?
de aromas
embebidas minhas mãos vãs
correm e abraçam
Rô que se aflige à tona:
desliza pelas
bordas, escorre e entorna
a liquidez sagrada
do antigo elã
e a bebida me olha
morna, e transborda
em espiral circula
e exala maçã.
II
A espiral
aromática volteia e foge aflita ao meu abraço
e o chá de maçã
ressurge amarelento lago apático:
paisagem de
sombras e névoas sobre águas mortas;
o mundo assume
desertos e um ar glacial corta o acaso...
Vieram das
águas-cidreiras punhais rubros de fogo
e me queimaram a
orla vivente entre ervas murchas.
Grito e meus
gritos giram em esferas de exorbitâncias:
estou sendo
empurrado para fora do mundo a gritos loucos
A humanidade
morreu colapsada e não existe mais...
Meus gritos ecoam
deserto só adentro as próprias águas:
não há mundos
cujos ondes os pés andem a razão do seu pisar
e retorno à noite
escura do nascituro acaso suposto
Estou
terrivelmente sem rosto, fugiu-me a minha pessoa
aquela que me
estipula humano descora e se estiola
e a conjuntura
exata do eu se afoga falto de seu andar
Estou embalado em
inexistência ao reverso humano
Grito o eu
nascituro de mim no mundo das formas
Sumidas catedrais
de estrelas e pinturas esquecidas no tempo
bramidos ecoam
adentro minha morte acesa
E as mandíbulas
cansadas estalam e empurram ossos
Aborto insabido
depois de nascido na sorte do abraço
meu grito rouco
não se sabe rouco e ressoa louco
Fugiu de mim a
minha pessoa, e não tenho rosto...
Abre-se o nunca
estar no meu peito onde ninguém mora
Minha fada
nutriu-se na disjuntura das formas aladas
Ensurdece ouvidos
humanos que não escutam gritos roucos
Humano meu de
jornadas rumo aos impossíveis do ser
virou-se para si
mesmo e se olha no espelho dentro insciente
Terão pena desse
louco a morrer em seu moinho de loucura?
a essência do
grito agoniza o eu que não consegue nascer
Sou a massa
informe de mim num aborto de impossíveis
Nesse degredo
aéreo vergado na abundância abissal do inexistir
E não há janelas
por onde olhar o mundo e dar-lhe o rosto
Aberto à beleza
que supus haver nas caladas do silêncio
Espero ao enfim o
brusco nada nesse etéreo que me atordoa
que me eleve às
esferas de inexistência a mundos outros...
o dourado chá
efervesceu em fogo e queimou as folhas sidas
E tudo são
silêncios de ausências na amarelecência opaca
revoluteia o grito
evolvido no oblívio que nunca foi
estampa-se na
espiral do tempo e o óbvio viaja a sua órbita.
Estrelas? O que
são estrelas nesse berço de ausências inumeráveis?
No súbito deste
haver derrama-se o nunca-mais inscrito na ausência;
são folhas murchas
que caem na lonjura dos mundos sepultos
E me adornam as
vestes tumulares os ocasos a mais implícitos.
Ando às bordas de minhas
águas abortado ao que pudera ser,
morri exilado em
minha terra ao que indefensa assomo enseja
vivos que se foram
e só deixaram atrás de si o silêncio dos mortos,
os rastros de seus
aromas, idos sem notícia prévia de que iam.
Vilma Silva
Nenhum comentário:
Postar um comentário