A casa. Com a árvore e o sol, o primeiro e o mais frequente desenho das
crianças. É onde ficam a mesa, a cama e o fogão. As paredes externas e o teto
nos resguardam, para que não nos dissolvamos na vastidão da Terra; e as paredes
internas, ao passo que facultam o isolamento, estabelecem ritos, definidas
relações entre lugar e ato, demarcando a sala para as refeições e evitando que
engendremos os filhos sobre a toalha do almoço. Através das portas, temos
acesso ao resto do Universo e dele regressamos; através das janelas, o
contemplamos. ...
(Osman Lins, “Retábulo de Santa
Joana Carolina”. Nove, novena)
A casa
conjunção carnal das esferas
forma exalada da fenda
informe senda da galáxia
invenção de congruências
convergência da terra, ar, fogo, e
águas os fios
semente e grão no tronco axial do
cosmo
tear das galáxias
rito de geômetras e arquitetos
arcaicos
arquétipos moldados em obra expelida
no sopro
destino do pensar límbico
poema da morada entre janelas que
olham:
portas que abrem vias aos pés
na ordem das formas pensadas
***
No interior da galáxia
além da fenda escura
o que não há espera para existir
Além da fenda negra dorme
o Eu entre malhas de inexistência.
Ascende-se a centelha que o engendra
carne:
O Eu desenha a casa o sol a árvore
Premissas convertidas em carne
Na fenda escura do Eu
***
na região em mim
além da carne
a casa adornada de árvore e sol
espera para existir:
engendro sobre a toalha do almoço
a árvore e o sol, a casa
me engendro carne de minha carne
e me fico sendo galáxias
SEGUNDO MISTÉRIO
... Um bando de homens faz uma
horda, um exército, um acampamento ou uma expedição, sempre alguma coisa de
nostálgico e errante; um agrupamento de casas faz uma cidade, um marco, um
ponto fixo, um aqui, de onde partem caminhos, para onde convergem estradas e
ambições, que estaciona ou cresce segundo as próprias forças, e será talvez
destruída, soterrada, e mesmo assim poderá esplender de sob a terra, em
silêncio, das trevas, por vias do seu nome.
(Osman Lins, “Retábulo de Santa
Joana Carolina”. Nove, novena)
A cidade
Soterrada, a cidade retorna
Ao ponto inicial da galáxia
ideia imanente
expectante de seu nome potencial.
Noutra era consubstanciada
a cidade retoma o nome noutro nome.
***
No íntimo da galáxia o nome vibra
sons potenciais
Todas as coisas ideiam dentro da
galáxia e querem existir
Vim de seu centro e trouxe o seu
dicionário junto
No meu íntimo o nome vibra e quer
existir
Preexisto no íntimo da galáxia
O barro me fez homem
Todas essas coisas estavam em mim
antes que eu fosse.
***
O barro moldado em espaço e tempo,
astros e sois,
O barro moldado em homem, a palavra,
o cerne
A cidade, a casa, os caminhos, o
nome...
A galáxia é minha mãe e me tem em
seu seio
No sopro se inalou em mim e me
inseriu seu gene
O meu sopro é a galáxia em mim
E o sopro é verbo
Antes de ser já sou
Além do meu horizonte de eventos
Para lá da fenda escura exalo mundos
(Vilma Silva)