segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Poema para a Borboleta / Poema da Borboleta

 

POEMA PARA A BORBOLETA

A borboleta é que sabe filosofia
flutua leve sobre o mundo
em asas de cetim
tudo é só dançar sobre levezas
que a borboleta entende sem teorizar:
a suma beleza: estar em abismos
                     e voar

 ***

POEMA DA BORBOLETA, EM PRIMEIRA PESSOA.


a travessia minha é sobre os nadas
que sob mim alveja em distâncias
aos meus olhos,
transformados agora em pergaminho
onde alguém está gravando estas palavras.


não sei quem é esse palavreador
talvez inútil
que tenta esboçar minha filosofia
deduzida em não-filosofia.


me abisma
esse inútil dom de me deduzir
borboleta...em abissal existir:


ele se faz narrador de mim,
ele me palavreia
e me inaugura em verbo.

HISTÓRIA SECRETA DE UM INSANO LÚCIDO

 
Mataram a beleza
Em algum lugar de mim estou moribundo
Ozíris despedaçado
Morro de manhã e nasço ao anoitecer.
 
quero o Quê
A palavra impronunciável.
Meu espírito chora nas noites
De tanto olhar estrelas e galáxias
Lá eu quero tocar
Sou lá.
 
O meu conceito de beleza?
Sou lá.
 
Risíveis receitas torpes de ser
Não me peçam feituras de vida
Meu receituário está nos pergaminhos
eu adentro
Lá onde mora o impronunciável:
eu mesmo no ato mesmo de estar sendo.
 
Viagem adentro galaxial,
o olhar de dentro vê a humanidade toda:
Somos eus no todos nós
O todos nós somos eus
Multiplicado eu no espelho do tempo
Sou aqui.
 
Peço um riso concordância para o sou aqui
Alistem-se quantos queiram sou lá
multiplicado eu no espelho do tempo,
O vasto império da nossa força:
 
O meu conceito de beleza?
Sou lá aqui

                                    

                                                Vilma Silva

 

À beira da vertigem


Fervor são teus olhos amplos de vertigem

A penumbra veste a hora em seu matiz

Coladas às tuas minhas mãos te exigem

 

Brilha o céu na linha curva onde já vigem

Franjas de purpúrea cor e tons febris

Fervor são teus olhos amplos de vertigem

 

A luz compõe o céu em fogo e a origem

da cor de amora que em nós exalta e fulge

Coladas às tuas minhas mãos te exigem

 

Esse fulgor febril nossas mãos atingem

À borda da encosta que a noite encobre

Fervor são teus olhos amplos de vertigem

 

Estreitando o tempo sem nenhum desdém

A noite se dissolve em um clarão de cobre

Coladas às tuas minhas mãos te exigem

 

E quando a manhã abrir seu novo orbe

seremos a manhã coberta de ouro e cobre

Fervor são teus olhos amplos de vertigem

Coladas às tuas minhas mãos te exigem


Vilma Silva

SOPROS

         Verbo

 

Em fronhas de breus ando a nascitura

Voz entre abas escuras, dobras várias

Onde forjo arpejos, lume que apura

O deus do sopro que me fez seara:

 

Sou terra antes de me fazer homem

Depois do sopro sou verbo e fonte

Soma da voz e seu adnome

E o lume a mais que se me defronte.

 

Nada não há em mim senão o arconte

E o facho fugaz na voragem onde

O mundo nasce e morre a todo instante:

 

Fogo nascituro afinal a fonte

Sopro de vozes no corpo sonante

Fulgor que morre e nasce a todo instante.


 

Poesia

 

Peço um poema

para expressar meus passos

sobre este planeta,

calço dos homens

e vida a crescer

  roseada e bela

de estéticas universais

 

Debruço-me a inventar

a estrutura mágica

onde epigrafar a estética

  da vida

e exponho apressada

as vísceras rodopiantes

  de minhas energias primas

 

Terei encontrado as estações

  d’onde elas vibram

no decompor das leis humanas?

...............................................

 

A história que ainda não escrevi

(E que não escreverei, por certo)

guardada intacta

na transface de mim

palpita inquieta

em impresenças continuadas

no meu rosto

que não é meu.

 

Invento a forma

e toda ela guarda

uma ressonância funda

de aléns

O que nela me convida e me congrualiza?

.................................................

 

A imatéria quero trazer

              ao existível

que para ser forçoso é

executar-se por meio da matéria

neste poema

que a falseia embora,

que apenas excogita sombras

do desejo humano,

que apenas se compõe

em simulacro de um original

em perene por-fazer

..............................................

 

A poesia

  é a marca dos meus pés

à beira de mundos incriados,

entre orlas de trevas

  grito ao que não há:

mostra-me o intervalo,

o nulo espaço do teu salto ao que há!

..............................................

 

o fogo transmigrador

  crepita e treme

no inespacial vórtice

  em que centelhas

são as sentenças

  virtuais da existência.

..............................................

 

Desde a centelha inicial

estala a febre

              do ato adâmico

no sopro e na maçã articulada:

              comei

neste fruto a vossa consciência,

              bebei

neste sopro o som articulador

              do mundo.

 

E sossegai

  vossos vórtices convulsos

na materialidade organizada,

  espacial e dada

no sopro da palavra:

  criai!

.....................................................

 

Obra

Dos meus dedos o amor surge em palavras:
rendas de minha arquitetura essencial
que teço nas infinitas urdiduras
da imensidão humana que ao meu lado vai
 
Na forma dessa vida abraçada
no escuro das minhas primitivas formas
alçada me vejo a alturas inumanas
evolada em piras incendiadas
 
Os sons exalam no sopro dentro
as formas musicais dos mundos
e fiam em dourados os múltiplos verbos
de minhas vertigens postas
 
Nas palavras dadas ao outro
coadjuvante meu nesse existir em trama
habita o meu amor em obra
tecida nas altitudes humanas
             das ausências mortas.



Ora pois,

 

em curvas e sinuosidades

na tela do meu olhar desenha-se o mundo:

de onde vem a lei e o fundo

o intrínseco ardor do que detrás metade

lhe faz cor, odor, sabor e som rotundo?

 

Ora, pois

meu trajeto cego

espectros do verbo o cetro,

imóveis decretos

tecem fios de rios disjuntos:

flui de meus olhos incertos

o desenho móbil do mundo.



Feixes de espectros

(Aos poetas e artesãos do mundo)

 

A ti o teu incêndio,

o fogo liquefeito de tua argila prima –

nave de imagens e sensações

mais arquétipos de antigos reinos;

 

no teu rio de fogo

todos os livros –

os que houve, os que haverá,

letras a se juntarem... Enfim,

 

criador e criatura exalam-se ex utero

espelhos duplos

a se olharem fundo infindo

 

um à imagem e semelhança do outro:

a duplicidade que aconteceu

por um desdobrar do ser



Lampejos                         


a palavra é palavra

a coisa mesma é a coisa mesma

no escuro âmbito em que é

chama ardente

solitária

no seu em si de si

Se eu a pudesse dizer

ela se identificaria com a palavra

e ambas seriam uma só.

 

É pelo exercício da linguagem que

                eu existo!

 

Poema

 

As imagens do mundo são teores

plasmados em minha tela interna.

Dançam sonâmbulos sons estes senhores

acrobatas que em si perfilam

                               variadas formas.


Tropeçando os mundos circundantes,

por entrar em veias é que desnudo o nome

rio fundo onde teço o meu ser em teias


Sopro

  a vida em mim é verbo
                    no sopro das minhas narinas e boca
                    convertendo em verbais formas
                    a matéria muda do mundo.
 
                    Desde a origem o sopro
                    inalei a forma essencial:
                    do caos emergi
                    feito luz que dissipa trevas.
 
                    Em tecido de palavras sopro
                    a verbal essência de mim:
                    É meu destino humano
                    tecer significações
                    na forma desverbal do mundo.


Variações ao acordar de mim

.........

adentro o que sou

Vivo o que sou

liberta do peso da palavra

eu desconceituada.........

 

..........

Liberta do pensamento e do conceito

Sou-me

na pureza de mim em mim –

viver é não pensar o que se é.........

.........

dentro o que sou
            o que aparece fora
            é sombra de mim.........

.........

 

Mitos


Carrego meus mitos
                  como fogo que deslumbra
o tecido fino do meu existir.
                  
E meu mito é o pensamento
                  e a palavra entrelaçados
                  um e outro sendo o mesmo
                  e um terceiro que é sua obra:
                  o mundo, sopro verbal.

 

               POEMA AO PALAVRÓRIO DA VERDADE E UMA EPÍGRAFE ADJUNTA

               A EPÍGRAFE

                                   Quero o dizer,

            cavar verbal o fundo abissal do não-dizer

            tirá-lo das trevas e do caos e ordená-lo significado

            no meu anúncio de palavras.

                                                                     

Depois quero desdizer                         

inventar novo dizer

e estender no mundo                                      

os infinitos dizeres.


 

            O POEMA 

             O mundo é discurso,
             A palavra é imprestável
                               à verdade.
             Ó, não há verdade na palavra!
             Eis como exclama a voz moderna
                               e a pós-moderna também.
              Todos ficam atentos à não-verdade
                               da palavra,
              Todos precisam se defender da não-verdade
                               da palavra,
              Todos precisam estar sábios à não-verdade
                                da palavra,    
              Todos ficam apegados à verdade
                                da não-verdade.

               E eis que sobre os escombros da não-verdade

o mundo arde em chamas de palavras.

                    E isso é belo.