quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

A entidade

 

a entidade Eu em mim empurra ossos
e me abre seu clarão a crivos de punhais
grito
a dor óssea do ser

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Vilma Silva

PoesiaProsa&Verso: Via-Láctea

PoesiaProsa&Verso: Via-Láctea:   jazida de ouro na tarde                                          O céu nas íris reluzentes                                   tomba olhos ...

Via-Láctea

 

jazida de ouro na tarde
                                         O céu
nas íris reluzentes                                 
tomba olhos                    Sobre mim
                                                  
no entorno grava
o sol aura                                   
ouro pendular                   Dourado lírio
a me olhar
   
tremula o delírio
entre minhas pálpebras
lírio dourado                    Me veste
   
invento olhos ao quando
revertido em noite
ergo-me em passeio
                                         Cósmico
 
o olhar se infiltra em solar
                                         De escuridões
esse tecido de ausentes luzes
é irmão do abismo
 
tons jasmins
                                         Nas sombras                  
gravam minha íris    
minhas flores vestem
a cor                                 Da noite

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Vilma Silva
 

segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Holocausto

Rasgo o tempo e me acolho ao centro dele
e o centro dele é o tempo-nenhum

Rasgo a vida pele adentro
suas vísceras vêm para fora:
aflora sua extensão de morte
dentro seu pleno ato de viver

E lhe queimo gotas de alfazema
no fogo das velas alteadas em luz nos castiçais.
O votivo aroma bebo nas taças frugais do meu nariz

o amor aflora  —  amo o que me circunda, amo por amar...

e isso tudo se parece com um uivo prolongado
que se desenha em rastros ao infinito

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Vilma Silva 

Clariluminâncias

 

nas águas do Letes Eu dançava auroras
dobre de sinos adentro A móbile alma a voar
o caminho das águas Sob minhas pálpebras
 
meu Amor se expandia Fluía da íris em fogo
desses olhos azuis-safira Da criança que fui
agora Sozinha e Muda no meu reino infuso
 
nas histórias que ouvi Meus olhos viram
sonhos do azul Essa poesia Fervente que grita
mundos em que me estico para Além do existir
 
***
meus pés pisam em Seu próprio andar
a me carregar nesse transbordo do Sentir
sob janelas que me olham Palpitantes de medo
 
esse apunhalar das horas à Beira do existir
para mundos outros que Desconheço
o Medo do Ser o Medo do Ser o Medo do Ser
 
o insuportável Sentir que chega à beira
nesse olhar Dentro a ver o infinito se desdobrar
como bolhas umas sobre Outras e Outras sob e
 
 
***
ao contrário do Tempo
esse meu olhar virado para Dentro
 
atravessa as pálpebras fechadas para Lá
da Insubsistência do mundo nessa fadiga
de viver mais e mais horas que Andam 
 
a vida tanta a correr no Escuro das veias
e as horas a vigiarem meus Espelhos!
que faço nesse mundo de Faltar?
 
vivo a transitar o não-sei que sei a Olhar
à borda da existência o Núcleo do sentir
lâminas refletoras a me Exigirem –
 
esse tanto mundo me Empurra a escrever
o que não sei o que não conheço o Quê
Em clariluminâncias escorre de Lugar-Nenhum

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Vilma Silva
 

Os amantes

a fábula da fábula
escrita nos teus dentes...
indecorosos de lascívia
                        teus olhos
exalam a poesia fervente de tuas veias –
entro na fundura da noite a branca noite adentro
 
matas que atravessei... 
teu rosto na distância infinita
ascende no céu da minha noite
pulsa rente à minha pele
 
entro na paisagem de nós
andamos pelas vias do mundo ancestral
colho em teus troncos maçãs e uvas
a água que brota do não-tempo
 
sou tela de céu embebida
no sumo das uvas,
na popa das maçãs
 
a paisagem
vertigem de teu corpo
                             no meu
cheiro e sabores vinhos uvas maçãs
escorro em sumos na tua boca
 
súmula do grande mar vamos
cavalgantes sobre águas
cores e traços riscam a tela do tempo
 
vamos alados
sumimos
transfundidos na paisagem
feita de cores e traços na tela do tempo
 
a floresta abre alas:
da tua boca nascem mundos
figuras desenham em mim
o céu que se abre entre meus dedos
 
teu silêncio grita cheiros
aromas de deuses, hálitos alcoólicos
e mais os sons que teus olhos ecoam
em mim tua voz
atirada dentro minha boca de silêncio
 
o silêncio das chamas,
me chamas
teus ecos ressoam tochas
embebidas no fogo das vestais.
 
****
sou
a que mapeia teu corpo
tua derramada pele
imprimida na minha
estampa tatuada sobre
minhas sedas e cetins
 
dos meus olhos o fogo
despeja semeaduras no silêncio
e me dobro vertical sobre o mundo
abraço-te oceânica e me afogo...
 
me debruço sobre o amanhecer
teu vaso adentra minha água
os cetins fecundam minhas veias

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quinta-feira, 8 de julho de 2021

Contemplação da Lua

Lua acima do Fórum João Mendes

Levita soberana sobre a cidade

 

Como moeda antiga exibe esfinge

dourado disco entre as relíquias do céu

 

A tarde

vai se vestindo nos véus da noite

 

No meio tom entre luz e trevas

a Lua suspende sua alegoria

olha a praça olha os homens

olha o seu rio revolto

 

Os carros zurram ferozes

os homens se amontoam

a fumaça sobe

as árvores desfolhadas esgalham-se em desespero

e o mais é um entardecimento em vestimentas noturnas

 

A Lua em indiferença de Lua

parece dizer do seu leito no céu

— que inferno é esse a executar-se lá embaixo?

pobres ridículos esses que tumultuam assim a tarde

 

Dá maior lume à sua cara de moeda

e volta a luminar o reino dos céus



                                                                Vilma Silva


 

Passagem


Trota o cavalo alado nas alas do Sul
No oeste o abril se fez carmim e no aqui sou
Apenas asas caladas no aéreo azul
E já a hora declina e exaure o seu voo;
 
Triste hora que me esboça em mudo marfim:
Acena ao longe o eu que ainda não nasceu
Afogado chora o longo estado sem fim
Do ser que ainda não lavrou seu camafeu...
 
Por que chora esse eu o falto adorno seu
Se a beleza que traz sepulta em manto brim
No eu de ontem se faz hoje em outro eu?
 
Dança o cavalo alado sobre o manto brim
O novelo do tempo as asas estendeu
E a beleza dança cavalgando o sem-fim


                                                        
                                                        Vilma Silva

segunda-feira, 21 de junho de 2021

Migrante

Os dias passam, deixam seus vestígios
Pego a minha mão na outra mão e sigo
Na eterna migração ao meu sempre exílio
 
O lume da coragem me acende e eu sigo
Procuro o porto que ao meu dom se enlace
Os dias passam deixam seus vestígios
 
As minhas faces exalam meus prodígios
Nessa legendária sina eu prossigo
Na eterna migração ao meu sempre exílio
 
Não temo conflitos não temo litígios
A Terra abriga esse meu rosário esguio
Os dias passam deixam seus vestígios
 
Ao humano não convém velar sigilos
Os pés levantam coragem, grito e sigo
Na eterna migração ao meu sempre exílio
 
Sigo velejando entre velados brilhos
Os pés levantam âncoras, grito e sigo
Os dias passam, deixam seus vestígios
Na eterna migração ao meu sempre exílio
 
                                              
                                               Vilma Silva


Do amor
 
Se falam do Amor que é o bem e o mal
Confundem-se as figuras por facécia
Não dizem do Amor veraz real
E as palavras revelam sua inércia
 
Abismo ancestral esse canto revela
Nada há que sustente o Amor vero
Existe? Todos perguntam àquela
Afrodite cansada de seu Eros
 
Menino que faceiro lança o ardil
Sobre os homens incautos de seu dom
Monta flechas dispara o tiro hostil
 
Travesso esse menino lança o som
A flecha grita um silvo ardente e vil
E já um coração o Amor feriu
  
                                    
                                        Vilma Silva

Soneto

 

Soneto

Nada não há que o dom a voz não fita
E o marfim das palavras grava adentro
Os abismos imersos a dor ficta
Suposto fio além do que atento

Alinha e risca fia imprime e cinge
Formas e sensações o continente
Os desnortes a mais a nossa esfinge
Arquétipos e espelhos congruentes

A linguagem-marfim na imagem finge
E o que fulgura em tudo fica assente
E mente o devir o tempo a fluir

Estirpe e figura que nega o ente
O som da palavra adentra o devir
E mente adentro seu próprio mentir


                                            Vilma Silva

domingo, 20 de junho de 2021

Lume

[Para Magna Nepomuceno]

 

Eu me nasci pronunciante:

Sê os teus olhos
Se teus olhos forem o que vê
Todo o teu corpo será o ver

 

                Não há mundo que não

                fulgura nesse estar e ser

                o indubitável ver que

                flui reflui dentro

                          e morre

                                     e volta                                 

                                  

     o ver que olha 

     do fundo escuro onde

     o olhar é

                a luz do ser

 


                                        Vilma Silva


sábado, 19 de junho de 2021

Seminal

 

meus passos de divisão encerram objetos
a vida traçada no material plano das ruas
persigo o elementar
o exato espaço desverbal
lavrado de inexatabilidade
 
e arrancando as vísceras do caos
e incendiando meus cordeiros em aras
e vertendo meu sangue nas pedras
engendro
              o sêmen da palavra
a vida multiplicada no múltiplo verbo
 
da partição de si a vida propaga seu
                          ser vegetal
Maria concebida no óvulo da palavra
cumuladora de rebentos em seu útero              
guardador virtual
                                                                 

                                                                                        Vilma Silva

 


quinta-feira, 17 de junho de 2021

 Caderno de Cordélia 



Interlocutores de Cordélia

I think I will do nothing 

for a long time but listen

and accrue what I hear into myself

 [walt whitman. Song of myself.]

 

Es la palabra del criador personificada.

Esta palabra de regeneración es aquella simiente de la promisión

o el cielo de los filósofos, que brilla en las luces inextinguibles de los astros.

[La alquimia de los maestros]

 

Não tenha acanhamento de suas qualidades de menino. 

As iluminações que os outros, quase todos, acham de louco.

[osman lins. Nove Novena]

 

Por libido entendo a energia psíquica.

Energia é a intensidade do processo psíquico ...

o conceito de Brahma, graças a todos os seus atributos e símbolos,

coincide com aquela ideia de uma força dinâmica ou criadora que chamei “libido”.

[c.g. jung. Obras.]

 

Post tenebras, spero lucen

[cervantes. Frontispícío da 1.a ed. do Quixote, O cavaleiro da triste figura, 1605.]

 

Quem, ignorando, ofendeu, em rigor não é delinquente;

Quem, ignorando, amou, em rigor não é amante

 Quem estima vidros, cuidando que são diamantes, diamantes estima e não vidros

 Amar vidros, cuidando que são diamantes, não é fineza de amor, é ignorância.

Amar para amar: isso é fineza de amor.

[Vieira. Sermão do Mandato]

 

Ego sum qui sum

[Gênesis. Palavras do deus abrasado em fogo na sarça ardente]

 

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Introito

                         Cerne em nós                                  

 

ego sum

qui sum

don´t say

idlewords

livre pulsa

minha libido

avessa a essa liturgia e a toda jornada que me

escreve antes de mim e de meu consentimento

o ruído da história humana é desatino, todas as

fórmulas de existir inventadas são brutalidades

Eu sou Cordélia

a filha proscrita

de Rei Lear

esse a quem

William

ensandeceu

a sanha

minha saga

está escrita

nas vísceras

como aranha

das próprias entranhas

exalo minha urdidura

 

 oh deuses embriagantes

em vossas aras deposito

eu: Fogo entre sarças

ego              sum

qui              sum

   

Personalidade 

 

O estilo é a fisionomia do espírito — disse o iluminado Shopenhauer.

Cada palavra é uma obra poética — disse o estético Borges.

O estilo é o homem — disse o sintético Buffon.

Essa é toda gramática em que me apuro — diz a triunfante Cordélia.

 

Afirmação

 

don’t say me idle words!

ando dentro

da escuridão cheia de luz.

 

amaldiçoada ou não,

atravesso as labaredas humanas deste mundo hipócrita

e alcanço o eu sou o que sou.

 

afirmo

minha vida selvagem

a luz que vibra

no escuro mundo em que sou

nós

 

II

salve, ó deuses,

em vossas aras

deposito meu exílio

 

  

trânsito das palavras 

II

Ó meu coração avesso à liturgia

e a toda jornada que me escreve antes de mim

e do meu consentimento

II

o amor abre todas as portas

e deixa fluir a força motriz

que engendra na alma o ouro

anima mundi nostra

II

na minha voz o meu olhar

nos meus ouvidos minha acolhida

                                                            minhas sobejas posses

                                                                            dou

 o que ninguém pode tomar

II

só posso dar o que é meu

é meu o meu amar a quantos ame

e dôo

do que possuidora sou

e todo amor que dou

continua em minha posse

II

II

sou Cordélia

a filha proscrita de Rei Lear o trágico.

a minha libido livre

verbaliza minha escrita

II 

o  ruído da história humana é desavença

todas as fórmulas de existir inventadas soam religião

meu coração rejeita essa liturgia

e toda inscrição que me escreve antes de mim

e do meu consentimento.

II

II

eu sou Cordélia,

a filha proscrita de Rei Lear, o trágico.

A minha libido livre

das conjunções dissonantes humanas,

sigo a saga escrita em minhas próprias vísceras.

II

II

Meu coração é simples e pulsa forte,

rejeita a percepção deformada do mundo:

nada pode resistir a uma alma mansa e desarmada.

II

II

eu tenho a força de mil

porque meu coração é puro*

 

 

A solidão de Cordélia

 

frívolas janelas abrem os folhos

de seus reposteiros rotos:

vigiam-me olhos de prescrever sinas.

alheia, Cordélia anda em seu olhar

virado para dentro:

you cannot discern the signs

of the time

in the silence of me:

II

eu sou Cordélia,

levo em meus alforjes

os punhados das dores alheias

que em mim fez-me a dor.

sozinha ando no ermo 

da multidão humana que ao meu lado vai.

sou quem a palavra calou,

II

entre meus silêncios

os vendavais vergam-me

o caule vergastado sob cilícios...

my lord, my lord,

why have you forsaken me?

II

e o coração de Cordélia

em tumulto salta,

e Cordélia cala:

palavras não dizem o ser da dor.

II

bem e mal se autoformulam na mesma possessão do ser.

...............  

                                             embrenho-me                                                                                                                                                                      na

                              penumbra         dos bosques

 me embriago

salto em cabriolas

sou Dioniso e sou o Vinho

sou Ninfas sou Sátiros sou Pã

sou o teofânico espetáculo da Vida

 

 A agonia de Cordélia


                                                         escutei-te chamar-me

                                            na tua voz vinha tua matéria-prima 

                                    esse o primeiro momento de tua enunciação

.

teu chamado tinha o som dos moinhos de ventos

no meio do campo abrangente de silêncios

sussurros dentre as entranhas do mundo

.

andei-te corpo e alma

e

 escutei o uivo de abruptos vendavais

em meio ao teu campo abrangente de silêncios

...

não acho as portas de minhas chaves

minha casa sem a casa assoma

nave entrevista no vago

âmago de sombras decompostas

 

lume de relâmpagos acendem

o vento uiva: batem portas, batem janelas, 

a árvore no frontal farfalha em convulsões,

desde o seu interior luta a pobre

para não se dissolver, tornar-se pó

e afundar-se no nada a sua noite

.

sinto o sofrimento da pobre,

tenho pena dela tanta pena

.

as minhas chaves não encontram portas,

nem entrem cá os traços de minha voz assombrada

ao teu vulto vindo de dentro os avessos do mundo

.

I desire mercy

 not sacrifice

.

my lord

 let this cup pass away from me

.

my beloved

 let me pass this cup away from you

II

minha ocupação: apaziguar vendavais.

seja o silêncio... seja...

...

my soul is exceeding sorrowful

even unto death…

……………………………

silence silence silence

be silence my soul

be silence

…….

……

..

 

 O vinho de Cordélia

 

II

a alma rasgada não se recompõe

a vida não retoma o fio

que se rompeu

.

entanto outro fio teço

,

como a aranha

 tiro das próprias entranhas

os fios de minha urdidura.

II

a liberdade do outro não pode me atingir

ainda que os enganos dos meus sentidos precários

em assustamento me transponham à dor

.

isso sofre-se e simultaneamente goza-se

:

desse rito hei de extrair a força interior em mim.

II

passarei os dias a ler

os passos

 que teu corpo desenhou no espaço

livro que vi fluir de ti.

II

O amor só posso querer em liberdade de amor

.

a minha ternura não está no meu dizer ternura,

está entranhada em minha pele

.

e calo o amor que dou.

II

Se é para amar

 amemo-nos com nossas entranhas

.

o meu retrato não fulgura nos teus olhos

,

sou-te silhueta indecisa que já se decompôs,

II 

 

a livre libido do ser

que dispõe de si

o ser que é

as frívolas janelas abrem olhos atrás de pálpebras rotas

concentrada nas fronhas de meu próprio olhar

ouço em meio a minha cumulada dor

soar  os passos de minhas delícias

são minhas árias de estar

no meu oceano de estrelas

salve

 ó deuses

em vossas aras

bebo o meu triunfo

..................................................................................................................................................

Vilma Silva