quinta-feira, 18 de junho de 2020

Giz sobre tela escuro-breu

a entidade Eu em mim empurra ossos

e me abre seu clarão a crivo de punhais

 

grito

a dor óssea do ser

*

Espelhos
gira o funil escuro da galáxia

passagem

adentro o espelho ¾

esse o lugar onde retorno ao mim

inverso

 

ali Eu sou

o fogo de Prometeu

Brahma, Olorum

o Tao dos taoístas

*

me resultei parido

do lado de cá

infinitamente Eu

 

símbolo do que há lá

aqui sou o avatar

o filho de deus

a mensagem ¾

nunca acabo de existir

 

*

o útero de minha mãe

passagem

à imagem e semelhança de mim

 

despejado de volta ao mundo

contemplo a luz:

súbita vertigem do ser

 

*

o muito que nunca cessa de ser ¾

minha mãe sou eu

em adoidados múltiplos de mim

e velejo sozinho

              ao lado

 

entre os multiplicados Eus

me resultei

Eu ¾

o sozinho

 

o Uno

a Solidão absoluta

Eu  ¾  esse único nós

somos


*

Sombra

o tempo apagou sua lanterna

e fosforesce

entre o tecido breu atemporâneo

murmúrios de prece entre ¾

 

exalta em mim

o supremo desconhecido,

o que me habita ¾

 

vem vestido no tecido retrato

do seu rosto sem rosto

tingido nas conjunturas

formas da noite

****

eu e o outro

espelhos que se olham...

 

eu a me olhar de fora

o Eu ad infinitum dentro

 

em quais existências

mora espelhos dentro

esse ente inverso?

 

O eu que em mim estando está fora de mim

 

Em mim vive um Eu

em que se modela minha aparência.

Dele emana os mundos

que me fazem em tecidos de sensações ser.

 

O seu não-rosto sorri eterno,

pacífico no mar de sua intocável calma

e frequencía as vertigens que me dá a viver,

longe e imune ao meu torpor humano.

 

Ele sorri isento – fora da dor:

como representante dela ele a festeja,

como um ente necessário

ele vive eterno.

.

     .

          .

eu não sou eu

algo em mim é Eu ¾

o outro

o ser definitivo entre ¾

 

nada lhe pertence 

do trágico destino de eu ¾

disso não se ocupa nem se importa ¾

a oculta teia de sua forma

é

nos avessos de tudo que não vejo

 

eu coisa-mineral

matéria que morre não sou ¾

eu instrumento ao

Eu que trama

me conduz e me expõe

  a essas excentricidades de vida

 

 

as mãos pesam sobre a mesa

a mesa na mão

na mão o peso

 

o gravitado eu

sustenta

o peso do mundo

 

entre ângulos insuspeitos

o desgravitado Eu

levita sobre a carga do mundo

observa o seu peso:

na mesa a mão

a mão no peso

       .

                     .

                           .

         Habitam-me simultâneos

                     Eu e eus

                     ao que vou sendo

                     multi-eus triangulares

                     Eus sujeito e eus objeto,

                     e o intermediário:

                     aquele que é o Ser

                     neutro

                     não aceita nome

                     forma não reconhece:

 

                     desinteressado

                     sua missão é Ser

                     o Ser

                                  .    .                                       

                            .    .

                             Só    

                                 .

                         .     

                               .

                          .

                      .     

                  .                   

                          .

                                                        .                                                                                                                            .                             

                 

 

eis

esse aparecente

que isento do meu querer

ocupa a teia de minha retina

e fala

o tudo que é:

Eu existo

e nunca acabo de existir.

 

 

 

O Eu salta das trevas

onde oculto tece a trama

que eu deponho ignaro no mundo.

 

O fora escurece

e o dentro ilumina-se

como num palco

em que irão formular-se

os atos do Ser.

 

Esboços bailam entre luzes

E prefiguram súbito a tez

que no sol dos dias

é forma no escuro incógnita.

.

       .                          .

  . 

Tear são meus olhos

luzerna que no clarão do espaço

tece o passar das horas no tempo imóvel

hostes de imagens dentro avesso:

 

os semblantes do mundo é o meu semblante

tessituras andantes, franjas do ser

espelho em que me vejo:

cenário que deponho ignaro no mundo

    .               .          

          .                                                                                            

     .

O Eu em mim                                                                                                   

empurra ossos e me estica a expansão

esparrama sensações sobre

o primal broto de outros orbes

ao que me sei extenso

desenho de mundo lá fora

labirinto o ser que me habita

 

estamos infusos um no outro

ambos, criador e criatura,

e existimos

além dos círculos postos

                           

 

A mesa agarra minha mão

seu peso flui corpo adentro.

Transversal ao tempo

o Eu me alonga mãos

e me arrebata o corpo seu nenhum

  .

                           .          

                                 .          

       finíssimo minuto se transpõe súbito

       caio entre mim e mim

       nesse intervalo a sozinhez me alcança

      

       emerge das sombras Aquele

       Eu:

          Ele É ¾

 

       vertigem ¾

como dói

e como canta enormes alegrias

o Universo!

      

esta matéria não é dia,

é noite ¾

sigo por túneis entre escuridade ¾

em meio ao breu cintila

Aquele Eu:

       Ele Sou

 

e a sozinhez me talha

velejando ao vento

na lonjura erma da terra

onde piso

o Centro do meu Humano

 




Irremovível

esta absurda consciência de um Eu.

Se me minto

é um eu que se mente...

 

Solitário em si

no escuro âmbito em que é

Mundo Existente

 

Eu me Sou.

Eu: sozinho ¾

Eu num Existir indecifrado de Eu

.

     .

          .

Matéria irrefutável este Eu

na tela do tempo provisório insculpido ¾

na hora da morte

evolatizável

para onde que lugar

habitante do Universo possível.

                            .

                .

     .

Minhas mãos pesam sobre a mesa

e povoam o corpo audaz dela ¾

viajante dentro-fora-tempo

no seu exemplar madeira-ser.

 

     Arrebato num alongar de mãos

     a mesa brancura ¾

     habito o corpo do mundo

     Arrebato meu Eu num alongar de mãos

       .

           .

                .

Estou atemporâneo

dobrado ao ocaso do tempo.

¾ debruço-me sobre

a vertigem do Cosmo.

 

Todos os planetas arrebato em minha Órbita

e do meu ego subo ao extra-ego

acima do ego       além-ego         o não-ego

reverso da sintaxe e do verbo, se expõe a mim:

 

nem ódio nem dores

nem tremores sopram,

Só ouço um cochichar de flores

reverberando ao vento.

 


Minhas mãos pesam sobre a mesa,

irrefutável este eu precário

enredado na teia do tempo ¾

percorro as ruas inacabado,

setas de mim partem e expelem leucócito,

o coração dentro do peito

estala e empurra ossos.



 

Insondável pote o Eu

 

**********************************************

voz

visage

ó

vós

visionary voz

vaso voal vagante

voo do não-ser ao haver  

caverna do verbo ao vago

som luzido do tudo ser

sopro do vento sobre

rios de nada ver

nobre

voz

vento sobre

o que o tempo não pode apagar

o chão luzente onde piso estrelas




                                                                                                                            Vilma Silva