segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Holocausto

Rasgo o tempo e me acolho ao centro dele
e o centro dele é o tempo-nenhum

Rasgo a vida pele adentro
suas vísceras vêm para fora:
aflora sua extensão de morte
dentro seu pleno ato de viver

E lhe queimo gotas de alfazema
no fogo das velas alteadas em luz nos castiçais.
O votivo aroma bebo nas taças frugais do meu nariz

o amor aflora  —  amo o que me circunda, amo por amar...

e isso tudo se parece com um uivo prolongado
que se desenha em rastros ao infinito

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Vilma Silva 

Clariluminâncias

 

nas águas do Letes Eu dançava auroras
dobre de sinos adentro A móbile alma a voar
o caminho das águas Sob minhas pálpebras
 
meu Amor se expandia Fluía da íris em fogo
desses olhos azuis-safira Da criança que fui
agora Sozinha e Muda no meu reino infuso
 
nas histórias que ouvi Meus olhos viram
sonhos do azul Essa poesia Fervente que grita
mundos em que me estico para Além do existir
 
***
meus pés pisam em Seu próprio andar
a me carregar nesse transbordo do Sentir
sob janelas que me olham Palpitantes de medo
 
esse apunhalar das horas à Beira do existir
para mundos outros que Desconheço
o Medo do Ser o Medo do Ser o Medo do Ser
 
o insuportável Sentir que chega à beira
nesse olhar Dentro a ver o infinito se desdobrar
como bolhas umas sobre Outras e Outras sob e
 
 
***
ao contrário do Tempo
esse meu olhar virado para Dentro
 
atravessa as pálpebras fechadas para Lá
da Insubsistência do mundo nessa fadiga
de viver mais e mais horas que Andam 
 
a vida tanta a correr no Escuro das veias
e as horas a vigiarem meus Espelhos!
que faço nesse mundo de Faltar?
 
vivo a transitar o não-sei que sei a Olhar
à borda da existência o Núcleo do sentir
lâminas refletoras a me Exigirem –
 
esse tanto mundo me Empurra a escrever
o que não sei o que não conheço o Quê
Em clariluminâncias escorre de Lugar-Nenhum

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Vilma Silva
 

Os amantes

a fábula da fábula
escrita nos teus dentes...
indecorosos de lascívia
                        teus olhos
exalam a poesia fervente de tuas veias –
entro na fundura da noite a branca noite adentro
 
matas que atravessei... 
teu rosto na distância infinita
ascende no céu da minha noite
pulsa rente à minha pele
 
entro na paisagem de nós
andamos pelas vias do mundo ancestral
colho em teus troncos maçãs e uvas
a água que brota do não-tempo
 
sou tela de céu embebida
no sumo das uvas,
na popa das maçãs
 
a paisagem
vertigem de teu corpo
                             no meu
cheiro e sabores vinhos uvas maçãs
escorro em sumos na tua boca
 
súmula do grande mar vamos
cavalgantes sobre águas
cores e traços riscam a tela do tempo
 
vamos alados
sumimos
transfundidos na paisagem
feita de cores e traços na tela do tempo
 
a floresta abre alas:
da tua boca nascem mundos
figuras desenham em mim
o céu que se abre entre meus dedos
 
teu silêncio grita cheiros
aromas de deuses, hálitos alcoólicos
e mais os sons que teus olhos ecoam
em mim tua voz
atirada dentro minha boca de silêncio
 
o silêncio das chamas,
me chamas
teus ecos ressoam tochas
embebidas no fogo das vestais.
 
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sou
a que mapeia teu corpo
tua derramada pele
imprimida na minha
estampa tatuada sobre
minhas sedas e cetins
 
dos meus olhos o fogo
despeja semeaduras no silêncio
e me dobro vertical sobre o mundo
abraço-te oceânica e me afogo...
 
me debruço sobre o amanhecer
teu vaso adentra minha água
os cetins fecundam minhas veias

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