quarta-feira, 8 de março de 2017

SEGUNDO MISTÉRIO

A casa. Com a árvore e o sol, o primeiro e o mais frequente desenho das crianças. É onde ficam a mesa, a cama e o fogão. As paredes externas e o teto nos resguardam, para que não nos dissolvamos na vastidão da Terra; e as paredes internas, ao passo que facultam o isolamento, estabelecem ritos, definidas relações entre lugar e ato, demarcando a sala para as refeições e evitando que engendremos os filhos sobre a toalha do almoço. Através das portas, temos acesso ao resto do Universo e dele regressamos; através das janelas, o contemplamos. ... 
(Osman Lins, “Retábulo de Santa Joana Carolina”. Nove, novena)


A casa
conjunção carnal das esferas
forma exalada da fenda
informe senda da galáxia

invenção de congruências
convergência da terra, ar, fogo, e águas os fios
semente e grão no tronco axial do cosmo
tear das galáxias

rito de geômetras e arquitetos arcaicos
arquétipos moldados em obra expelida no sopro
destino do pensar límbico

poema da morada entre janelas que olham:
portas que abrem vias aos pés
na ordem das formas pensadas


***

No interior da galáxia
além da fenda escura
o que não há espera para existir

Além da fenda negra dorme
o Eu entre malhas de inexistência.
Ascende-se a centelha que o engendra carne:

O Eu desenha a casa o sol a árvore
Premissas convertidas em carne
Na fenda escura do Eu

***

na região em mim
além da carne
a casa adornada de árvore e sol
espera para existir:

engendro sobre a toalha do almoço
a árvore e o sol, a casa
me engendro carne de minha carne
e me fico sendo galáxias


SEGUNDO MISTÉRIO
... Um bando de homens faz uma horda, um exército, um acampamento ou uma expedição, sempre alguma coisa de nostálgico e errante; um agrupamento de casas faz uma cidade, um marco, um ponto fixo, um aqui, de onde partem caminhos, para onde convergem estradas e ambições, que estaciona ou cresce segundo as próprias forças, e será talvez destruída, soterrada, e mesmo assim poderá esplender de sob a terra, em silêncio, das trevas, por vias do seu nome.

(Osman Lins, “Retábulo de Santa Joana Carolina”. Nove, novena)


A cidade

Soterrada, a cidade retorna
Ao ponto inicial da galáxia
ideia imanente
expectante de seu nome potencial.

Noutra era consubstanciada
a cidade retoma o nome noutro nome.

***

No íntimo da galáxia o nome vibra sons potenciais
Todas as coisas ideiam dentro da galáxia e querem existir
Vim de seu centro e trouxe o seu dicionário junto
No meu íntimo o nome vibra e quer existir

Preexisto no íntimo da galáxia
O barro me fez homem
Todas essas coisas estavam em mim antes que eu fosse.

***

O barro moldado em espaço e tempo, astros e sois,
O barro moldado em homem, a palavra, o cerne
A cidade, a casa, os caminhos, o nome...

A galáxia é minha mãe e me tem em seu seio
No sopro se inalou em mim e me inseriu seu gene

O meu sopro é a galáxia em mim
E o sopro é verbo
Antes de ser já sou

Além do meu horizonte de eventos
Para lá da fenda escura exalo mundos


(Vilma Silva)



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